sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Trabalhadores*

Eu olhava a cidade da altura que meus olhos ditavam.

Sobre o cimento a matéria traía-se; a dureza da massa, misturada pelas mãos acostumadas ao infortúnio e à enxada maltratada, erguia moradas à custa de corpos que descansavam exaustos sob a sombra amarela de um trator.

Homens se misturavam ao preto do asfalto, tampando buracos pra que a cidade seguisse na sua desordem diária.

Havia tanta poesia naqueles braços firmes batendo o chão, pelejando o pão da cria que, hora daquelas, soltava pipa numa rua qualquer, toda esquecida dos esforços patriarcais, sem saber que a vida já lhe reservava o mesmo itinerário.

O que nos separava era a fina película de um vidro que expunha mundos divergentes numa mesma rua... Meu pai acelerou o carro e seguimos em frente... Mas de alguma forma permaneci ali, extasiado, dividindo o cansaço de uma vida que não era a minha.

Depois dali, parei de admirar os heróis da TV, tão ridículos em seus uniformes preenchidos pelo o ócio e pelos músculos; que do alto dos prédios, governam com seus super poderes e suas vidas repletas de “super”, e passei a venerar aqueles cujos uniformes frouxos sobre a carcaça, denunciavam as mazelas de sempre, os quais o olhar só me falava de Sol e poeira numa existência somente aliviada no fim do mês com o mínimo de alento financeiro, um salário-mínimo.

Numa casa improvisada nos fundos, vivem suas vidas improvisadas.

Homens que só trabalham.

Gigantes que ninguém enxerga.

Trabalham apesar da dor.

Trabalhadores.

(Allan Castro)


*Um olhar mais demorado sobre a cidade!
.
#Foto.:Murilo Carlos
.
_Paz&Bem!
__Inútil.

The Shadow of Your Smile - Baden Powell

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Existir às vezes doí...


Existir às vezes me dói.

Seja no fim da tarde,

Seja no fim da festa,

Existir às vezes me dói...

Tal qual uma pedrada na testa.

(Allan Castro)
.
P.S.:Uma vez li que a dor é necessária para o desenvolvimento de todo e qualquer Ser humano, mas me pergunto: O que a dor desenvolve, além dela mesma e do sofrer?
.
#Foto.:Marta Ferreira
.
_Paz&Bem
.
__Inútil

Solitario - Baden Powell

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Poeta, um louco acordado sem pernas


A poesia
Gritou-me no papel
Saltou da caneta
E acordou meus pensamentos
Que dormiam numa cama sem espelhos
Empurrou-me da janela do PENSAR
Quebrei as pernas em prosopopéias
E logo depois de cair,
Enlouqueci!

A poesia
Moldou-me curto por fora
E infinito por dentro!
Não posso mais andar
Pois o chão - sensato e imóvel - repudia meus sonhos
Caminho sozinho entre risos extravagantes
Que me soam falsos de puerilidade
E quem me nota na rua com meus passos não-ensaiados
Julga-me estranho e triste
Mas, minha alma já está pra lá destas calçadas... Sorrir!

A poesia
Resumiu minha existência em estrofes
Onde as rimas diziam-me
Um louco acordado sem pernas,
Que por ser louco, sonhava
Que por estar acordado, escrevia
E por não ter pernas, voava!

A poesia e o poeta vieram até mim
E não soube mais como existir
Sem as letras e a beleza
Logo, não sou mais somente eu
E sim, algo entre mim e o poema...
Transfiguração?
Onipresença?
Delírio?
Não!
Simplesmente,
Poeta,
Um louco acordado sem pernas.

(Allan Castro)

P.S.:Após escrever este texto, senti-me aliviado tal uma mãe que, após um longo e dolorido trabalho de parto, abraça a cria vitoriosa. Obrigado à todos pelas leituras!
.
Foto.:Caio César (obrigado pela foto que veio tão bem ao texto)
.
_Paz&Bem!

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Maldito Tempo...


Instantes
Amontoado de tic-tac circulares
Saltando do meu braço num estralo
E fixando nas paredes o amarelado
Momentos estes que tornam tudo perecível
Envelhecem a boca roubando-lhe os dentes
E rasgam a roupa do amor
Com a qual me visto e vou às festas
Trajando meus retalhos novos recobrindo os antigos
- Alguns ainda doem sob a estampa fina –

Então o tempo escurece o amor
E o escuro traz o sono
Dorme o coração aberto
E quem se ama, demora pelas noites,
Acostumou-se ao vazio da cama
E ninguém mais nota que as paredes continuam amarelas
Mas o sorriso já não é o da fotografia que enfeita a sala
Pois o tempo banalizou as emoções
Que enchiam a casa de alegria

O Tempo deu sentido à fotografia
E tirou o que eu sentia
Perdão pelo relógio, querida
Que hoje, por você,
Bate mais forte que meu coração.

Maldito tempo...
Já estás longe
E eu nada sinto

Maldito tempo...
Recomeço a busca pelo amor
E costuro mais um retalho
Onde até ontem
Chamei de...Você!


(Allan Castro)

*"Umbó" pro teatro?
__Teatro José de Alencar - Série Fora de Hora
Da paixão sobre borboletas – Uma história desconstruída. Solo do ator Murillo Ramos a partir de texto de Caio Fernando Abreu. Um história de amor e loucura. 22h30 no porão - r$ 5 (estudante) e r$ 10,00
* por conta do horário, indicado para maiores de 18 anos

#Foto.:Angelgard

_Paz&Bem!

__Inútil.

Violão Vadio (Baden Powell) - Yamandu Costa

domingo, 10 de agosto de 2008

Sentes também?


A saudade é uma casa vazia
com
Paredes repletas de fotografias...

A saudade é distância,
Tanto
Que devia se chamar:

S __A __U __D __A __D __E!


(Allan Castro)

Pedaço de Mim - Chico Buarque

sábado, 9 de agosto de 2008


sensibile

Estava lá, rabiscado no papel
Esquecido no banheiro do cursinho:
“Não te amo mais”
Era pra mim?...
Não!
Mas me afetaram os sentidos
Tanto que dei pra sentir as dores
Como se eu fosse o esquecido.

O ócio não oscilou
E a noite se encheu com a novela
Gritou a mocinha para o ladrão:
“Fica comigo e deixa essa arma no chão”
Foi pra mim?...
Não!
Mas fiquei mais puro
Como se eu fosse o ex-vilão.

Do lado de lá da rua
Uma mulher berrava uma perda:
“A bala achou a menina antes da Lua”
Era eu?...
Não!
Mas chorei no asfalto
Um vazio me pegou pela mão
Como se eu fosse a infeliz mãe.

A TV ligada no “ao vivo”
Transmitia um drama esportivo:
“Quebrou o joelho e não vai para as Olimpíadas”
Era eu?...
Não!
Mas meus ossos cansaram
Senti algo de estar quebrado
Como se eu fosse o atleta arruinado.

Um dia, enquanto escrevia
Disseram-me ao pé do ouvido:
“Para de escrever e faz algo de útil”
Foi pra mim?...
Sim!
Contraí o coração e preferi nada sentir
Pois sou uma janela de frente pro mar...
Numa casa de cegos.

(Allan Castro)

*Novas palavras para o seu vocabulário inútil:
-debalde = adv., em vão;baldadamente
-resignar = v. tr., renunciar a; demitir-se de; abdicar de; exonerar-se;
_Paz&Bem!
__Inútil.